terça-feira, 12 de agosto de 2008

Lala

Ela não gostava de ser chamada de vó. Preferia Lala. Foi como o primeiro neto a chamou espontaneamente. Todo mundo foi entrando na onda, e no final, quase todos a chamava assim.
Devo a ela muitos aprendizados na minha vida. O primeiro foi o da amizade incondicional.
Explico: Ela foi uma das grandes amigas da minha avó. Seria algo banal, senão fossem exatamente opostas em tudo! Vovó é tímida, calada. Sempre foi uma mulher frágil. Ela era falante, expansiva. Forte! Vovó é evangélica. Ela sempre foi católica praticante. Foram amigas, com todas essas diferenças, por mais de cinquenta anos, e nunca brigaram!

Fui uma criança cheia de responsabilidades. A grana era curta, não havia dinheiro pra babás. Então, eu como filha mais velha tinha de cuidar dos três que vinham depois...

Mas na casa de Lala eu podia ser "Eu"! Lá eu respirava... Passava horas enfiada nos seus livros e nas suas revistas (Definitivamente, eu não fui uma criança comum!) lia tudo que encontrava pela frente. Se hoje, sou a leitora que sou, ela tem muito a ver com isso.

Eu amava conversar com ela, escutar suas estórias. Ela foi uma mulher com uma grande vivência. Criada sem mãe,pela avó materna.Casou (ou foi casada?) aos quatorze anos com um vaqueiro bonito (mas mulherengo...) que passava meses fora. Com ela ficou a responsabilidade de educar sete filhos praticamente só. Mas ela deu conta! Virou parteira, enfermeira etc etc... E foi a luta!

Suas estórias dão um livro, e dos bons!

Ela falava tudo que tinha vontade. E a ela eu podia perguntar o que tivesse vontade. E como eu perguntava! Acho que fui a criança mais "perguntadeira" que já existiu.

Eu cresci na casa dela.Aprendi a gostar de café lá. A convivência foi tão intensa que acabei com sotaque do interior. Anos mais tarde, quando estava fora, sempre que eu falava que era de Recife, as pessoas achavam que meu sotaque pernambucano era mais carregado.Típico das pessoas do interior do estado. Foi aí que me dei conta de que era "a fala da casa de Lala".

Lala era uma pessoa diferente nos últimos anos. A velhice a deixou deprimida. Sempre que ia visita-la procurava nessa, os vestígios da outra,e não encontrava. Ficava triste. Na sexta passada ela morreu. Quando soube da notícia, pensei: Desistiu!

Na última vez em que a vi, na hora de sair, ela me disse: "Volte aqui pra me ver logo...Uma hora eu morro sua fdp e você não me vê mais!" Isso foi no primeiro de janeiro. Foi um presságio. Eu com minha vida corrida, não tive tempo de voltar...

Minha dificuldade em lidar com a morte não me deixou vê-la morta. Preferi guardar sua imagem viva, mas acabou que fiquei com uma sensação esquisita de irrealidade... Então escrevo, pra ver se melhoro.

Pra mim ela está viva. O que de certa forma não deixa de ser verdade!

3 comentários:

Valéria Martins disse...

Oi, Adriana! Obrigada pela visita!
Gostei do seu texto sobre a Lala, talvez ela não tenha tido a noção do quanto foi importante para sua formação. O importante é que ela está viva no seu coração, certo? Assim, o amor que sente por ela é imortal, uma maneira dela também ser, de certa forma.
Adorei a definição: alguém que vem á tona de todos os seus naufrágios. Eu também sou assim, graças a Deus!
Beijos, volte sempre

Fernandinha disse...

que lindo!

Ita Andrade disse...

Fernando Pessoa escreveu que morrer é apenas não ser visto, é desaparecer na curva da estrada. Eu pensei muito nisso quando no mes passado, Amelia, a avó da minha arte, partiu envolta num lenço de seda entre lilases e rosa chá.
É isso...
Quer um abraço?